“Não há passado que engendra o historiador. Há o historiador que faz nascer a história.” A célebre sentença do historiador francês, Lucien Febvre, é sintomática ao traduzir o espírito que a historía (ἱστορία) assumiu desde a aurora do século XIX: um conhecimento que (re)produz o passado, ofertando-lhe sentido e compreensão. Nesse esforço de atribuir sentido, o historiador se coloca como aquele que expressa uma possível, porém criteriosa, verdade. Ao se valer da narrativa, ele enquadra as ações humanas numa perspectiva temporal que nos permite compreendê-las em seu devir. A fabricação (faber) do saber histórico já passara pela ruptura da modernidade e a cisão com a magistra vitae. O século XX, a seu turno, sepultou a pretensão de se chegar a uma verdade metafísica, ou suprema, compreendendo que se podem encontrar narrativas construídas historicamente e que possuem relevâncias distintas. Houve, portanto, uma descentralização do que se entendia por verdade no moderno conceito de história, colocando agora a possibilidade da verdade em seu plural, abrindo para múltiplas significações. A história-ciência passou a se ocupar de narrativas – também em sua forma não singular – na busca por desnudar verdades produzidas culturalmente, de acordo com parâmetros próprios de cada época-lugar, mas sempre a partir de um rigor metodológico que legitima o ofício do historiador.
Em decorrência dessa produção de significados, tensões, lutas e disputas são geradas no campo das narrativas e de suas múltiplas perspectivas sobre a(s) verdade(s). Da tentativa de redução do ofício historiográfico a mero discurso limítrofe até a disputa inegociável de lugares de enunciação privilegiados – que descartam o “olhar não engajado” – as verdades se reificam e abrem espaço para as disputas acerca do monopólio da narrativa-discurso. Um cenário delicado se desvela, justamente porque se abre a possibilidade de supressão de direitos e conquistas, memórias e histórias. Se por um lado, novos atores sociais se posicionam reivindicando suas próprias narrativas, por outro, há a tentativa de diluição destes significados e processos, obedecendo motivações variadas para a manutenção de privilégios discursivos. Trata-se de negar a própria contribuição que a história pode ofertar na compreensão e produção de sentido sobre o passado, simplesmente porque o critério de verdade pode ser sempre convenientemente colocado em suspenso quando se pretende atender interesses específicos.
A VII Semana da Licenciatura em História do IFG traz como tema o título: “Verdade e Narrativas: Lutas, disputas, direitos”. Consoante com o atual momento político e cenário epistemológico – em que discursos disputam vozes e representações, e que direitos e conquistas se veem cada vez mais em risco – o evento pretende convergir historiadores profissionais (e de outras áreas), estudantes de graduação e pós, alunos do IFG e comunidade geral. Através de palestras, minicursos, mesas-redondas, etc, o encontro pretende oportunizar o debate crítico, a exposição de perspectivas, a análise de panoramas e a proposição de ações que visem à manutenção de direitos e conquistas no campo político e discursivo, sem esvaziar o próprio questionamento acerca destes significados. Parafraseando a filósofa Hannah Arendt, o desafio do evento não se trata de “(…) explicar fenômenos por meio de analogias e generalidades tais que se deixa de sentir o impacto da realidade e o choque da experiência (…), mas, antes, de buscar suas compreensões e “(…) encarar a realidade, espontânea e atentamente, e resistir a ela – qualquer que seja, venha a ser ou possa ter sido.”
Prof. Dr. Diego A. Moraes Carvalho
Prof. Dr. Paulo Miguel Moreira da Fonseca
Prof. Me. Paulo Winícius Teixeira de Paula
Prof. Dr. Rafael Goncalves Borges