pô!ética

thinker

O homem outrora celebrou a expressão humana em dois sentidos evidentes: um da ordem do sublime, do apolíneo, de um ideal de pureza e perfeição heroicas e talvez encontrado num mundo etéreo das ideias; outro, da ordem do grotesco, do dionisíaco, da celebração das escatologias, do palhaço, das dores e prazeres da condição de carne. Sentidos tão opostos quanto complementares.

Em algum momento do nosso percurso, talvez por ganância, a vida em sociedade quis criar uma hierarquia entre essas duas matrizes de expressão, como se uma fosse nobre, digna, permitida, e a outra não. Nós, agora e aqui, nesse momento da história, misturamos sublime e grotesco para aumentar mais ainda a confusão. Ou melhor, pra celebrar a confusão que é a condição humana. Reivindicamos ser: estranhos, incompletos, diversos, aos que dizem negar ser tudo isso, mas também são. Misturamos arte e política sim, pois talvez assim, ela persiga o bem comum e se torne mais nobre do que é. Aliás, com pouco esforço, visto que sempre estiveram misturadas, borradas, sem limites precisos, sem muros que as separassem.

Queremos saber o que é educação e o que é escol(h)a. Queremos exercitar a capacidade crítica para com as relações de dominação da sociedade. Assim, nosso Festival se posiciona criticamente às tentativas de controle da proposta de “Escolas Sem Partido”, e também às práticas homofóbicas, misóginas e racistas, que têm se expressado no espaço escolar e em toda sociedade. Pô! Fazemos bagunça sim! Fazemos da linguagem uma salada, pois queremos saber qual o papel da arte e da política no Brasil de hoje e como elas se entrelaçam. Fazemos nossa festa voltada para a autonomia dos sujeitos, comprometida com uma ciência que atue em favor das coletividades e do bem estar humano e ambiental, por uma arte que seja questionadora.

Saboreamos, não sem indignação, um festival de confusão de conceitos, dos sentidos, e queremos ter o direito de colocar a técnica, a poesia, a estética em busca da ética, em que se misturam e amalgamam o público e o privado, o político e o subjetivo, a ética e a estética, o único e o diverso… Pô! Não pedimos muita coisa além do óbvio. Pedimos razão! Pedimos emoção!

Pedimos ética, pô!ética!

Sobre a identidade visual

Idealizador da identidade visual do festival deste ano e de suas últimas 3 edições, o professor de artes visuais e designer Alexandre Guimarães, do Campus IFG – Aparecida de Goiânia, assim descreve seu processo criativo:

Banksy, artista visual britânico, faz do anonimato seu principal marketing pessoal. Poucos já o viram e o mundo inteiro conhece seus stencils (uma modalidade de grafite).
Inusitado e desafiador, invade espaços instituionalizados da arte para fragilizá-los e então desconstruir regimes escópicos que definem nossas formas de ver e de sermos vistos.

Mas seu espaço é a rua. É grafiteiro e, apesar de não enquadrar seu trabalho no conceito naturalizado de Arte, suas «obras», ironicamente, também fazem parte de um circuito artístico (galerias expõem suas obras).

É contra os direitos autorais. Em seu livro Guerra e Spray (Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012), sobre a ficha catalográfica da edição há a inscrição: «Copyright é para perdedores».

No mesmo livro, ele cria um conceito de «brandalismo»: qualquer anúncio num espaço público que não permite que você escolha se quer vê-lo ou não é seu. Ele lhe pertence. Você pode se apropriar dele, rearrumá-lo e reutilizá-lo. Pedir permissão para isso é como perguntar se você pode ficar com a pedra que alguém jogou na sua cabeça (p. 196).

Banksy consegue desestabilizar dicotomias como bem/mal, certo/errado, público/privado, permitido/proibido, dentre outras. Suas imagens constituem um sistema visual facilmente identificado pela sua reprodutibilidade descontrolada em todo o mundo. Cobrar direitos de apropriação de suas imagens em camisetas, papéis de parede, canecas, bonés, etc., seria desfazer de todo seu discurso subversivo contra um capitalismo invasivo que mata, entristece e espalha a desigualdade e injustiça social, como fica demonstrado em seus manifestos visuais, cujos locais de aplicação são especialmente escolhidos.

A apropriação das imagens de Banksy é desmedida. Ao se fazer uma busca na Interntet por suas imagens, fica difícil definir qual é a original – o que, para o artista, seria o menos importante.

As imagens desta busca, dentre outras milhares na rede, serviram-me de referência visual para a criação do conjunto gráfico para a identidade visual do XIV Festival de Artes de Goiás.

Algumas são reprodução dos «originais» e outras fazem parte de um «banksy style – estilo banksy» de desenhar.

A ilustração do tema é uma reutilização, ou apropriação, que seja citação, das várias manifestações visuais do banksy style. A partir do stencil entitulado The Thinker Monkey, cuja primeira aparição nos muros das cidades britânicas não se sabe ao certo, fiz a imersão da palavra pô!ética, utilizando uma tipografia típica de escritas a pincéis em muros, de modo que a interferência tipográfica fizesse, originalmente, parte da criação de um suposto stêncil – uma única matriz com imagem e palavra para impressão sobre a parede.

O chipanzé by banksy é uma figura icônica para o universo do grafite e tornou-se decalque, estampa de camisetas e bonés, dentre outras aplicações da indústria da imagem.

Reutilizá-lo é uma maneira de experimentar novas relações de sentidos entre uma imagem reproduzida e modificada de várias formas, em vários lugares e culturas diferentes, com outra palavra-imagem: a pô!ética.

A forma densa e preta em contraste com o branco, um jogo de positivo e negativo, pode imprimir em nossa percepção um impacto visual em que nos convida a trocar de lugar com o personagem: como penso, o que penso e para que/quem penso?

As cores preto, branco e vermelho vem da própria linguagem do stencil, que requer agilidade em sua aplicação, limitando-se a elementos visuais básicos de composição da forma.

O conjunto, ironicamente, também faz um provocação à ética na arte, seus usos e apropriações, os limites dos direitos de criação, a ética em função da poética e vice-versa.

Por outro lado, nos coloca num estado de reflexão – uma parada para pensar na nossa própria natureza e nos limites entre o dócil e o bruto: qual o estado contemporâneo de nossa condição humana?

Prof. Alexandre Guimarães
Doutorando em Arte e Cultura Visual
Mestre em Cultura Visual
Bacharel em Artes Visuais/Design Gráfico

Confira aqui todo o projeto visual:

projeto_festival_2016